sábado, 4 de dezembro de 2010

E lá se foi o último campeão

Só tem uma multidão que eu gosto de estar (risos). Acho que não poderia ser diferente. Afinal de contas, como dizem os opositores preconceituosos, a grande maioria dos rubro-negros são pobres. Os mais enfáticos preconceituosos diriam "vieram da favela". Já que morei em Nilópolis, baixada Fluminense, nascí perto da Avenida Brasil, penso que eu não podia ter outra escolha. Tinha que ser rubro-negro.

Nelson Rodrigues, grande poeta e tricolor, já setenciou à muito tempo atrás: "Todos nascem Flamengo, alguns se perdem". Um tricolor pode me dizer hoje que "se perdeu mas é campeão", não é mesmo? Mas como diz a sabedoria da Raça Rubro-Negra, "somos todos menos alguns".

Apesar o que aconteceu em 2010, continuo Rubro-negro. Confesso que já cheguei a ser daqueles "loucos", daqueles que sai na rua correndo com um bandeirão na mão, gritando a plenos pulmões: "é campeão!". Isso foi em 1992, quando conquistamos o penta-campeonato brasileiro. Lembro-me do sofrimento de minha irmã à cada gol do Flamengo pois o volume do rádio sofria uma modificação de minha parte. Super Rádio Tupi, narração do Luiz Penido. Para quem conhece o cara, é preciso preparar os timpanos. Era o máximo.

Mas depois fiquei mais calmo. Deixei a loucura e me tornei um Flamenguista mais sensato, por mais difícil que se possa crer. Não significa que não assisto jogos, não leio mais notíciais, não vibro e não reclamo mais. Isso continua, mas com as devidas ressalvas de que ele, Flamengo, não é tudo. Aliás, nem pode ser. Se fosse, já teria um ataque cardíaco a muito tempo. Como prezo pela minha vida, "negócios, amigos e futebol à parte".

E lá se foi o último campeão brasileiro, o Flamengo de 2009. Um Mengo que apesar do Love, foi se deteriorando no decorrer dos dias. O desastre dos escândalos "extra-campo" foram somados a perda do Carioquinha, incoerência da direção com o Andrade (e falta de esperteza do mesmo) e o gol de placa do Montillo que nos tirou da Libertadores... Houve a saída do Love e o escândalo do goleiro Bruno. A última e pior "pá de terra na cova" foi a saída do Zico. Quando se mexe com o Zico, há terremoto no Flamengo. A Patrícia "Amadorim" deveria saber disso, mas preferiu ser amadora e deixar quem mama do Flamengo deste os primordios ficar por lá. Fomos nos arrastando pelos campeonatos e por pouco rebaixados neste ano. Não conseguimos nem nos garantir pelas próprias pernas na série A (quarto melhor campeonato de futebol do mundo), apesar do treinador de grife (pouco tempo de trabalho, né VL?).

Não estou aqui para falar de minhas preferências de campo, se faço parte ou não da Raça Rubro Negra. Estou aqui para falar que nossa memória é curta, muitas vezes assassina. A memória é algo interessante, pode nos levar aos céus ou nos empurrar para o inferno. Segundo Armand Salacrou, Un homme sans mémoire est un homme perdu ("Um homem sem memórias é um homem perdido"). Todos sabem muito bem que a memória traz eternidade de um acontecimento que é finito, o mesmo se preserva para a nossa redenção ou condenação. No caso do futebol então, sem se fala!

Comecei a estranhar o comportamento da diretoria quando mandaram refazer o placa do "penta-tri" (cinco vezes campeão seguido em três anos consecutivos do Carioca). Mandaram refazer pois tinha a imagem do goleiro Bruno. Antes do caso dele e do provável assassinato, ví no site Globo.com uma matéria sobre o "pegador de pênaltis" com um gráfico muito bem elaborado de como ele consegue "advinhar" onde o batedor joga a bola. Era realmente incrível: toda vez que tinha pênalti contra o Flamengo, sabendo que Bruno era o número 1, tínhamos todos nós mais esperanças.

Bruno teve um papel fundamental em várias etapas do time: defesas milagrosas. Vamos dar a mão a palmatória que, depois de Júlio Cesar, nosso número 1 esteve em boas mãos. A bola que o diga, quase sempre parava por lá. Verdade é que alguns apaixonados conseguem ver várias falhas (houveram sim, eu sei), mas se nem mesmo Zico foi perdoado pelo pênalti na Copa, poderíamos esperar outro comportamento em relação ao Bruno?

As pessoas passam por nossas vidas. Eu que o diga. Para mim, pessoalmente falando, dizer que elas "passam" me dói o coração. Não consigo simplesmente "passar", é um verbo um tanto quanto simples e infeliz para mim. Me dá a idéia de transitoriedade, como se eu estivesse eu estivesse caminhando por uma rua, sem olhar para os lados. Apenas para a minha frente, ou para o chão.

Quando nos lembramos do João ou da Maria, do que nos lembramos? Que tipo de memória queremos ter?

Tudo isso me faz pensar que tipo de base para as nossas memórias nós temos. A base "boa" é aquela que me dá privilégios, que me dá títulos (e olhe lá!), que me faz saltar para cima. Nos lembramos dos amigos que nunca nos questionaram, nunca brigaram com a gente, sempre riem e dizem "sim, sim". Sempre estão dispostos a fazer o que queremos, esses "não passam" por nós, queremos tê-los sempre ao nosso lado. É como um troféu, ou um talismã: sem vida, sem interatividade.

As pessoas que passam por nós são aquelas que entram no elevador e não se conversam. Se tiverem o mínimo de educação - coisa difícil hoje em dia - dirão no máximo um "bom dia". Elas apenas passam.

Olhando para o Nazareno, vemos como ele olhava para as pessoas. Aqueles que queriam que Ele passasse por suas vidas (a multidão) Ele mostrava misericórdia, dando muitas vezes o que eles queriam. Eles queriam o que Ele podia oferecer, queriam conferir se valia a pena, se era aquilo tudo mesmo que estavam ouvindo. Queriam "o Jesus que passa, e pronto". Apesar de Sua missão, muitos o viam desse jeito. Por isso a gritaria final, palavras torpes e cuspe em seu rosto na última caminhada antes da cruz. Quando "o bicho pega", os que passam não existem mais. São presos na prisão da memória má, daquela que assassina e julga com tamanha intrepidez que nem o Deus dos céus poderia mudar. C'est fini.

Jesus se relacionava com as pessoas. Interagia com elas. Sentava, conversava, ensinava. Hoje em dia é um desafio e tanto, tanto para o "clero" (pastores, líderes) como para os "súditos" (povo nosso). Me lembro de um amigo que me surpreendeu um dia ao falar que começou a congregar em minha igreja porque tinha sempre um rapaz que apertava sua mão no final do culto. Sua decisão foi baseada em uma memória de um aperto de mão. Quem diria...

Se eu tivesse a oportunidade de ver o Bruno, eu o abraçaria. Abraçaria e o agradeceria por tudo o que ele fez quando usava a camisa 1 do Flamengo. É fato, é notório, qualquer um pode ver os vídeos antigos dele em sites esportivos, ou simplesmente se lembrar do que ele fez "nos bons tempos". Assim como também é notório e fato o que ele tem passado no momento, pois colhemos o que plantamos. Se ele é realmente culpado pela morte da moça (como tudo indica que é), terá que colher as consequências de um erro cometido.

Então, o que me faz pensar é como eu me relaciono com as pessoas. São elas, aquelas que simplesmente "passam" por mim? Ou sou eu que "passo", apenas? Que tipo de base para a minha memória eu prefiro ter? O que me leva a me lembrar disso ou aquilo?

É interessante ler alguns relatos dos reis que passaram (no literal) por Israel. Todos foram confrontados ao "exemplo maior", do mais famoso rei que esse povo já teve, o rei Davi. Era interessante ver como Deus falava do já Davi que passou, como Ele se referiu à ele na decadência de Salomão, ao dizer "...que seu coração já não era perfeito para com o Senhor, seu Deus, como fora o de Davi seu pai" (1 Reis 11:4).

Peraí? Davi, com coração perfeito? E aquela histórinha de Urias?

A lembrança de Deus estava (está) em Sua própria Graça. Uma Graça de "dois caminhos": o do perdão e da responsabilidade. Em Jesus, temos este maravilhoso filtro. Davi, por ter sido sincero e buscado a tal perfeição, cai na Graça que o levanta como "perfeito". Davi não "passou" por Israel, nem poderia passar. Antes mesmo da coroa, já demonstrava quem ele era. O que ele era, lhe trouxe a coroa. E o reconhecimento de, mesmo com falhas, que ele tinha um coração conforme o Coração maior.

Tomemos cuidado com as pessoas e com nossas lembranças. Paremos de passar por meio delas, vamos ao seu encontro. Vamos sentar e enriquecer nossas memórias com o que pode trazer esperança. Afinal de contas, espero que meus amigos se lembrem de mim da melhor maneira possível. Não falo de holofotes, falo de amizade, pura e simples.

Quanto ao Mengão, devido nossa tradição e memórias, não posso deixar de continuar torcendo. "Ano novo, vida nova", não é o que dizem por aí?

Saudações Rubro-Negras!

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