quarta-feira, 1 de junho de 2011

Esqueça-se

Ontem eu estava em uma cafeteria, como de praxe. Isso é normal para os homens daqui, já que é nesse lugar que eles se encontram para ver os jogos do Barcelona. Nele também jogam conversa fora, se encontram para fazer negócios, além de tomar um bom e forte café. É nesse lugar também que aproveito para estudar um pouco o Árabe, colocar os exercícios em dia enquanto espero o horário da minha filha sair da escola.

Enquanto eu respondia os exercícios da escola, tive que parar por um momento. Fui interrompido pela curiosidade: alguém que falava na televisão, um homem com sua criança no colo, reclamando à plenos pulmões do que está acontecendo na Líbia. Em seguida ele começa a chorar (como o seu filho nos braços), para a TV mostrar, logo em seguida, o corpo de uma pessoa, morta. Não demorou muito para a TV Aljazeera mostrar inúmeras imagens de pessoas orando nas mesquitas aos prantos. Olhando para o céu e com as mãos estendidas. Todos ajoelhados como costumam fazer quando oram, chorando e clamando para Allah. No meio dos clamores do povo, a TV mostrava trechos de desafio do atual presidente da Líbia, Mohamar Kadafi (sinta a foto).

Eu tive que sair do café, nos dois sentidos. "Saí" para poder pensar no que essa gente está sofrendo, tentado imaginar como Papai tem ouvido os gritos deles. É uma realidade distante da minha pois lá estava eu, confortavelmente sentado e estudando ao cheiro do café. Porém, isso em nada mudou meu pensamento de que precisamos olhar a nossa volta e "fazer valer" (repare as aspas) aquilo que somos (ou deveríamos ser). Em seguida, saí - literalmente - do café para buscar minha filha na escola, mas as imagens continuam na cabeça, e tive que conversar com Papai a respeito. Afinal de contas, Ele é “todo ouvidos” para aqueles que falam segundo o Seu coração. É preciso um "basta" no que está acontecendo na Líbia.

Bom, eu sei que a grana tá curta, apertada. Sei o Barcelona é o campeão da Champions League (com todo o merecimento). Também sei que a queda do avião da Air France vôo 447 (2009) durou apenas 3 minutos e meio. Fiquei sabendo da decisão da Dilma em vetar o tal "kit anti-homofobia" e que, ao que parece, foi uma decisão "ajudada" pela ameaça dos deputados evangélicos em sujar mais o Palocci, braço direito dela. Isso nada mais é do que uma demonstração de "poder" deles, baseado não no óleo, mas na politicagem e jeitinho. Afinal de contas, parece que a influência deles é nula. Só vale mesmo a ameaça... Mas não se importa os meios, o que importa é conseguir o que quer. Na falta do normal, vamos de anormal mesmo.

Mas o que tem a ver Barcelona, kit anti-homofobia, vôo 447 e a Líbia?

Muita coisa.

Tudo tem a ver, pois nós estamos no mundo. O mundo que gira sem parar, desde que foi criado e, por causa da distância com Papai, sofre as conseqüências do amor frio e indigesto que gira e contagia à sua volta. Pois sempre temos o "meu" buraco, o meu problema, minhas coisas a resolver. Isso tudo é verdade. Mas o "meu" não pode me cegar para a minha responsabilidade. Precisamos olhar o mundo como Ele olha. Viver na África do norte, uma região em extremo "rebuliço" (embora onde morarmos não vemos problemas aparentes), nos faz repensar muita coisa. O que tem que ficar na mente é que o que vale eternamente. O resto é resto.

Eu só quero compartilhar com você um convite que eu fiz a mim mesmo. Esqueça o "meu". Esqueça os "seus" problemas, as coisas que precisas resolver, coloque-as de lado por um momento. Por mais que você não tenha acesso as imagens que eu vi na cafeteria essa semana, imagine por um instante se a cidade onde mora fosse bombardeada. Tropas guerreando entre si. Eu não quero imaginar, por exemplo, se eu tivesse um membro de minha família nesse vôo 447, mas eu posso orar pelas famílias. Como eu perdi meu pai estando bem longe e sem poder voltar para sepultá-lo, acho que consigo sentir um pouquinho da dor deles. Mas será que eu preciso passar pela dor para poder, enfim, "sentir com" (empatia)?

Lembre-se sempre, pelo amor de Deus, que nós vivemos em um mundo que sofre. E muito. Sofre pelas desigualdades sociais, pela imoralidade desenfreada, sobre por causa de seus líderes "à la Kadafi" (Líbia). Sofre também por causa de nós, pois vemos as coisas passarem pelos nossos olhos com a mesma rapidez que o Jornal Nacional troca de reportagem. Em um momento o Bonner cita o problema na Líbia, para em menos de 2 minutos sabermos como o Barcelona ganhou o título. E assim vamos "vivendo" entre aspas, como se nada existisse em nossa volta. Em vez de peregrinos, somos "turistas na terra": tira uma foto bonita ali, outra acolá, compra um souvenir. Não há envolvimento com as coisas "da terra", já que "a minha pátria não é aqui". Caminhamos esbarrando nas pessoas e dizendo, "desculpa, tô olhando para o céu".

Temos motivos de sobra para "se interpôr" (interceder) por estes que passam por lutas imensas, que precisam do toque do Seu amor. Não estamos em prisões embora vivendo em um planeta "em prisão". Mas vivemos para viver os "belos cânticos de Sião" que falam da bondade, da misericórdia, da fidelidade e do Amor. Amor de d'Ele, que em Seu Filho, nos libertou de tudo. Inclusive de nós mesmos.

Que Papai nos junte, em uníssono, em prol deste mundo que sofre e geme. Ainda há tempo de parar de beber café, de dobrar os joelhos, de arregaçar as mangas.

De alguém que chorou tomando café

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